Encostei-me

Heterônimos de Fernando Pessoa 

Álvaro de Campos

 

Encostei-me

 

Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.

Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y’s de sentimento.

Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos —
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.

Teresa

O Amor é mesmo cego…

Teresa

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

A vida nos afeiçoa

Outro lindo! Sempre me faz ficar melhor…

A vida nos afeiçoa

Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: – Vem!

E a vida vai tecendo laços,
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
vivos de nosso próprio ser

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel…

Testamento

Um dos meus preferidos….


Manuel Bandeira
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os…
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!… Não foi de jeito…
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde…
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

(29 de janeiro de 1943)



Sobre o Poeta – Manuel Bandeira

Claro que pra eu começar com poesia tinha que ser com o meu amor… Manoel Bandeira, um pouquinho sobre ele:

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, nasceu em Recife no dia 19 de abril de 1886, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira.

Em 1890 muda-se com a família para o Rio de Janeiro depois para Santos – SP e, novamente, para o Rio de Janeiro. Passa dois verões em Petrópolis. Em 1892 a família volta para Pernambuco.

Manuel Bandeira como semi-interno frequenta o colégio das irmãs Barros Barreto. Muda novamente do Recife para o Rio de Janeiro, em 1896, onde cursa o Externato do Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II).

Em 1903 a família se muda para São Paulo, Bandeira estuda na Escola Politécnica, pretendendo tornar-se arquiteto. À noite estuda desenho e pintura. E trabalha nos escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana, da qual seu pai era funcionário.

No final do ano de 1904, Bandeira descobre que tem tuberculose, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro.

Em 1910 entra em um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que não confere o prêmio. Sob a influência de Apollinaire, Charles Cros e Mac-Fionna Leod, escreve seus primeiros versos livres,em 1912.

Em 1913, sua irmã Maria Cândida passa a cuidar-lhe feito enfermeira, juntos vão à Suíça, a fim de tratar de sua doença. Em 1914, retorna ao Brasil, devido a Primeira Guerra Mundial. Em 1916, falece sua mãe. Em 1917 publica seu primeiro livro A cinza das Horas. Em 1918 falece a irmã e em 1920 o autor perde o pai. E em 1922, novamente quase dois anos de diferença, falece seu irmão Antônio Ribeiro de Souza Bandeira.

Em 1924 publica, às suas expensas, Poesias, que reúne A Cinza das Horas, Carnaval e um novo livro, O Ritmo Dissoluto. Colabora no “Mês Modernista“, série de trabalhos de modernistas publicado pelo jornal A Noite, em 1925. Escreve crítica musical para a revista A Idéia Ilustrada. Escreve também sobre música para Ariel, de São Paulo.

Em 1926, viaja a trabalho para Pouso Alto – MG, onde na casa de Ribeiro Couto conhece Carlos Drummond de Andrade. Viaja a Salvador, Recife, Paraíba (atual João Pessoa), Fortaleza, São Luís e Belém. 1930 publica Libertinagem.

Em 1936, completa cinquenta anos, recebe de presente a publicação de Homenagem a Manuel Bandeira, livro com poemas, estudos críticos e comentários, de autoria dos principais escritores brasileiros. Publica Estrela da Manhã Crônicas da Província do Brasil. No ano seguinte, recebe o prêmio da Sociedade Filipe de Oliveira por conjunto de obra. E publica Poesias escolhidas e Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica.

Entre grandes obras, novas profissões e prêmios Manuel Bandeira seguiu sua vida. Em 1966, comemora 80 anos, com uma festa para mais de mil pessoas, promovida pela Editora José Olympio. E em 1968, às 12:50min falece no Hospital Samaritano, em Botafogo, foi sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras no Cemitério São João Batista.